Entrevista. “Não há expectativa de que possa haver acordo no salário mínimo”

Os problemas colocam-se sobretudo ao nível dessas empresas de prestação de serviços? Os setores que conseguem refletir nas suas margens e nos preços essa subida, não têm problemas. Mas os de mão de obra intensiva que têm uma situação contratualizada, como, por exemplo, a limpeza, e que são setores que empregam centenas de milhares de pessoas, têm de facto dificuldades se não conseguirem ajustar isso o aumento do SMN.O presidente da CCP espera um OE mais amigo das empresas. Quer o fim do pagamento especial por conta, mas que não seja uma troca à subida do SMN.

João Vieira Lopes espera que o próximo Orçamento do Estado (OE) acomode medidas ‘amigas’ das empresas e que possa dar sinais de que há vontade em descer a taxa do IRC. As negociações sobre o salário mínimo nacional (SMN) a aplicar em 2018 não começaram ainda, mas o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) vê com preocupação que o valor tenha sido balizado em acordos políticos, e diz que as compensações encontradas para 2017 não estão a funcionar.

As negociações do Orçamento do Estado, o terceiro deste governo, estão a ser feitas no seguimento de uma série indicadores económicos positivos. Como é que vê as exigências dos parceiros políticos e sindicatos sobre a descida do IRS e aumentos das pensões e salários? O aumento do rendimento médio é benéfico para o comércio e serviços em geral, na medida em que aumenta o consumo interno e nós, mesmo nos períodos mais duros da troika, sempre considerámos que isto é fundamental para a viabilidade da maior parte do nosso tecido empresarial, que são maioritariamente pequenas e médias empresas. Agora, tem de haver um ponto de equilíbrio e, por vezes, algumas exigências parecem-nos excessivas, tendo em conta os meios financeiros existentes. Naturalmente que o governo saberá quais são as folgas orçamentais de que dispõe. Mas o que nos preocupa é até que ponto é que o Orçamento do Estado pode ser mais amigo para as empresas do que os anteriores.

Para o ser, teria de incluir que tipo de medidas? Independentemente das medidas que o governo tomou no ano passado sobre o pagamento especial por conta, a nossa posição é clara: a abolição pura e simples deste imposto. Outra questão fundamental são as chamadas tributações autónomas, ou seja, aquele conjunto de despesas que as empresas fazem mas que não são consideradas para efeitos de desconto do IRC. Essas despesas representam mais ou menos 20% das receitas do IRC e incluem valores absurdos. Basta dar como exemplo as viaturas das empresas que chegam a ser tributadas a 35%. Além dos aspetos quantitativos, os qualitativos também nos preocupam, porque os contribuintes em geral, e em particular as empresas, estão neste momento sujeitos a uma malha fiscal apertadíssima e desproporcional. Portugal é o país da Europa onde o número de horas que as empresas necessitam para satisfazer os compromissos fiscais é maior, o que exige um esforço suplementar agravado pela dimensão média das nossas empresas. Esta é uma área onde gostaríamos de ver algum desagravamento de uma série de exigências burocráticas, que o Simplex está muito longe de conseguir minimizar.

Que aspetos são esses? Aspetos como as contagens dos juros de mora, dos prazos de prescrição, as penhoras de crédito… Nas faturas, não tem sentido que as empresas tenham de as comunicar mensalmente. É uma sobrecarga extra e em Portugal ainda mais porque muitas das PME e microempresas trabalham em outsourcing para serviços informáticos e contabilísticos, o que obriga a custos suplementares. Temos um leque de propostas nessa área em que se pode facilitar a vida às empresas. O Orçamento do Estado seria uma altura privilegiada para introduzirmos estes mecanismos.

Na taxa do IRC, a CCP defende uma redução para os 19%, valor que chegou a estar previsto no diploma que aprovou a reforma deste imposto? Se o governo não tiver condições políticas para prosseguir o acordo sobre o IRC, no mínimo, devia baixá-lo todos os anos nem que fosse 0,25% pontos percentuais. Independentemente de mais um ponto ou menos um ponto, devia manter-se a tendência de baixa que foi aprovada no passado. Porque isso daria um lugar mais cimeiro a Portugal nos rankings para que as multinacionais olham quando decidem investimentos. Costumo dizer que os rankings são como um concurso de beleza: a miss mundo não é necessariamente a mulher mais bonita do mundo, mas é aquela que está no ranking. Para aparecer positivo no ranking e favorecer as opções de investimento, seria preciso que Portugal fosse conhecido como um país onde há uma tendência para a baixa do IRC.

Como vê o alargamento dos escalões do IRS para rendimentos mais baixos? Tendo em conta o baixo poder de compra da maior parte dos portugueses não nos repugna que o IRS seja progressivo e as reduções regressivas. O que acontece é que há duas opções de fundo: uma política de salários mais altos em que toda a gente pagasse IRS, ou uma política de isenção de certos escalões. Em Portugal optou-se pela isenção e, com esta política, acaba também por favorecer os salários mais baixos.

Como vê o alargamento dos escalões do IRS para rendimentos mais baixos? Tendo em conta o baixo poder de compra da maior parte dos portugueses não nos repugna que o IRS seja progressivo e as reduções regressivas. O que acontece é que há duas opções de fundo: uma política de salários mais altos em que toda a gente pagasse IRS, ou uma política de isenção de certos escalões. Em Portugal optou-se pela isenção e, com esta política, acaba também por favorecer os salários mais baixos.

Os problemas colocam-se sobretudo ao nível dessas empresas de prestação de serviços? Os setores que conseguem refletir nas suas margens e nos preços essa subida, não têm problemas. Mas os de mão de obra intensiva que têm uma situação contratualizada, como, por exemplo, a limpeza, e que são setores que empregam centenas de milhares de pessoas, têm de facto dificuldades se não conseguirem ajustar isso o aumento do SMN.

Os acordos de atualização do SMN têm incluído soluções para que haja esse ajustamento, um mecanismo de compensação. Não estão a funcionar? São soluções teóricas porque tem havido muita resistência dos organismos públicos em aceitar essa alteração contratual. Não tem corrido bem. As empresas estão a ter que absorver isso, o que tem consequências.

Que consequências são essas? Algumas das empresas não se aguentam e as de maior dimensão acabam por fazer contratos com menos horas.

O trabalhador acaba por ser prejudicado, porque trabalha menos? Os serviços acabam por ajustar. Têm menos horas de limpeza, por exemplo, e isso tem consequência no emprego. Esse é o problema com o salário mínimo, se for aumentado excessivamente em relação a outros fatores da economia. Uma empresa tem prevista uma massa salarial de x por cento, em função da inflação, etc .. Se forem obrigadas a empurrar os salários baixos para cima, apertam nos outros e estreita-se a relação entre o salário médio e o salário mínimo, o que acaba por ter interferência nas pessoas mais qualificadas. Faz parte da lógica de gestão. Isto influencia a relação entre a qualidade, competências e remunerações. As consequências que isso pode ter no tecido empresarial são perversas. Aliás, temo-lo dito aos sindicatos.

Mas acompanha este aumento para os 580 euros? O problema não são os 580 euros, é o aumento dos 5% ao ano durante vários anos, balanceado com o crescimento da economia, da produtividade e da inflação. Eu não vou discutir valores, porque visto em abstrato todos os valores são baixos, mas é o balanceamento da economia real que interessa.

Desta vez parece haver poucas dúvidas sobre a ordem de grandeza da subida do SMN… Nem sei se vai haver negociação. Estamos na expectativa de ver o que o governo vai propor. É uma má política tomar decisões destas por meros acordos políticos e nesse aspeto temos uma posição crítica e um bocado cética quanto aos efeitos do que vai ser a posição do governo. Vamos ver.

Mas o acordo será importante para que possam ser negociadas compensações ao aumento do salário mínimo, como tem sucedido nestes últimos anos. A única compensação que pode interessar às empresas é aquela que tem a ver com a redução da Taxa Social Única. Todas as outras não têm grande impacto. Se da parte dos partidos do governo e da oposição se se mantiver a posição do ano passado, isso não é viável. Neste momento estamos na expectativa, que é o que nos compete.

A troca da redução da TSU pela redução do pagamento especial por conta não compensou? Não, isso é uma solução menor, até porque o pagamento especial por conta só abrange uma parte das empresas. É positivo para o conjunto de empresas com resultados positivos, mas quem tem resultados baixos, na prática está a fazer um empréstimo forçado ao estado.

Vê mais alguma compensação além da TSU? Estamos na expectativa. Para nós não é claro que a CCP subscreva qualquer acordo sobre o salário mínimo.

No ano passado, as confederações patronais fizeram contas aos indicadores económicos e concluíram que o salário mínimo não poderia subir para os 557 euros. Este ano já têm cálculos? Não sei qual é a posição das outras confederações neste momento. Agora, da nossa parte é claro: não temos grandes expectativas de que seja possível fazer algum acordo nessa área. A não ser que da parte do governo haja abertura para fazer um enquadramento diferente.

Não no valor mas noutras matérias? O valor parece-me que é uma decisão política, e na nossa opinião, decisões políticas e administrativas sobre temas destes não são positivas.

Como é que avalia o impacto do novo imposto (conhecido por fat tax) sobre as bebidas açucaradas? É oportuno aplicar a mesma lógica a outros produtos, como a fast food? Esse tipo de medidas sofrem de um problema: por um lado, são apresentadas como politicamente corretas, mas o único efeito que têm é aumentar a receita fiscal. O caminho, a longo prazo, vai por aí. Mas ser pioneiro nesse aspeto, num país em que a economia tem dificuldades, é preciso cuidado. É a história dos bons alunos. Por princípio não somos contra esse tipo de medidas, mas têm de ser ponderadas ao longo dos anos e sem serem maximalistas.

Há margem para continuar a aumentar a carga fiscal dos ‘ suspeitos do costume’, ou seja, dos impostos sobre o álcool, tabaco, automóveis e combustíveis? O automóvel já é altamente penalizado. Canalizar a fiscalidade para setores de menor consumo energético tem sentido. Mas taxar-se de uma forma radical num país que abandonou o caminho de ferro e em que os transportes públicos são fracos, acaba por ser penalizador.

A reversão de medidas laborais tomadas durante o período de ajustamento tem sido reclamada pelos partidos de esquerda. Para a CCP esta é uma linha vermelha? Neste momento o mais importante é não mexer. A estabilidade da lei laboral seria positiva para os empresários e para o investimento estrangeiro, até porque não partilhamos da ideia de que a lei laboral atual seja negativa. Pensamos que é bastante equilibrada. O governo revelou algum bom senso em não ter tocado no assunto até agora, mas estamos na expectativa também sobre aquilo que pretende alterar na lei laboral. Somos claramente contra a alteração da política do banco de horas, achamos que se deve manter a política da caducidade que é bastante equilibrada, e em relação aos contratos a prazo, é uma área que pode ser discutida, mas o mais equilibrado era não mexer.

É conhecida a intenção de penalizar em sede contributiva as empresas que recorrem mais aos contratos a termo… Isso [penalização] está na lei. Estamos dispostos a discutir essa situação com uma ressalva fundamental: há setores da economia em que medidas desse tipo têm de ser aplicadas com alguma ponderação. As empresas que prestam serviços a outras, têm contratos limitados e não podem ter trabalhadores efetivos para além do tempo dos contratos que têm a montante. Se fazem um contrato de prestação de serviços com um banco ou com o Estado por um ou dois anos, não podem ter um volume de trabalhadores com contrato sem termo para além desse período. Se assim fosse, como faziam depois de terminarem o contrato? Pagavam indemnizações e a seguir fechavam. Os contratos têm de ser ajustados a estes novos formatos da economia. Aqui há uma larga discussão a ter para se chegar a consenso, mas não se pode ter uma posição rígida. A nova economia é diferente, tem uma parte de prestação de serviços, e este é um dos temas que vamos debater em relação a esta proposta do governo sobre o pós 2020.

É uma discussão que tem de ser feita à luz dos novos modelos de economia e de produção? Sim. Porque não se pode discutir pensado que, por exemplo, o tema da mobilidade é o mesmo que há 20 anos. O que é a mobilidade futura? São os táxis? A Uber? Os carros partilhados? Há uma série de atividades que hoje são exercidas por setores de vertente fechada, mas que no futuro são transformadas em prestação de serviços. A indústria alemã automóvel, a partir deste ano, tem mais robôs do que pessoas. E está-se a fugir desta visão. Aliás, uma das grandes limitações do governo que encontramos neste pós 2020 é não ter uma abordagem profunda deste tipo de problemática.

Não aprofunda o impacto da automatização, da economia partilhada? E tudo o que seja os novos modelos de negócio que vão substituir os serviços. Temos defendido que em Portugal o papel dos serviços é subvalorizado, inclusivamente nos fundos europeus, porque vai haver uma mutação completa, não apenas tecnológica, mas de modelos de negócio. Manter a ilusão que Portugal pode vir a ser um país industrial, como alguns querem, é uma ilusão. Portugal deve tentar atrair o máximo de indústria possível mas a chave do desenvolvimento passa por encontrar o papel de Portugal neste novo xadrez. Temos críticas profundas em relação ao modo como se está a desenhar o modelo económico.

Quais? O governo, neste plano pós 2020 faz uma análise interessante sobre o que se vai passar na Europa, nomeadamente a perda de importância da política de inclusão, o aumento das despesas militares, os migrantes e todas essas questões. Mas há pouca preocupação sobre o que vai suceder face a uma globalização com os EUA mais protecionistas e a China mais agressiva nas exportações. Deveríamos aprofundar mais as nossas dificuldades. Portugal tem as empresas descapitalizadas e o sistema fiscal favorece o financiamento bancário. Enquanto as empresas não tiverem a vantagem de terem capitais próprios em vez de financiarem na banca, é um problema. Por outro lado, não vale a pena ter ilusões: o sistema da Segurança Social tem de ser repensado.

Promoveu um estudo que aponta para fontes alternativas de financiamento da Segurança Social.Quais são as conclusões? Vamos apresentar este estudo este mês. Não temos uma solução milagrosa, mas pistas para que se pondere o equilíbrio entre o valor acrescentado e o trabalhador. Porque neste momento quem está a pagar o sistema da Segurança Social são as empresas de mão de obra intensiva. Com as novas tecnologias vamos ter de encontrar sistema de taxação diferente para uns e para outros. Essas são as nossas grandes preocupações estratégicas.

Perfil – O empresário com formação em engenharia Engenheiro eletrotécnico de formação, João Vieira Lopes, 70 anos, lidera desde 2010 a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal – um dos seis parceiros com assento no Conselho Permanente de Concertação Social. A liderança na CCP é a parte mais mediática, mas João Vieira Lopes ostenta no seu currículo uma longa carreira empresarial nas áreas da distribuição alimentar. É administrador da Euromadiport, que integra a maior central de compras e serviços de operadores de distribuição independentes da Europa. É administrador da Unimark, uma central de compras cooperativas portuguesa e preside à direção da Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares.

Publicado em: https://www.dinheirovivo.pt/entrevistas/nao-ha-expectativa-de-que-possa-haver-acordo-no-salario-minimo/