Meio milhão de empregos depois, o que mudou no mercado de trabalho?

Emprego Meio milhão de empregos depois, o que mudou no mercado de trabalho?

Destruir é fácil, criar é mais complicado. A economia portuguesa já recuperou meio milhão de empregos destruídos pela crise, mas levou o dobrou do tempo. Os empregos criados são, no entanto, muito diferentes dos que desapareceram.

Foi como um vendaval. O mercado de trabalho português passou por uma das suas maiores crises de sempre durante período de ajustamento da troika. Entre o final de 2010 e primeiro trimestre de 2013, foram destruídos 512 mil postos de trabalho. A economia acabou por se recompor e, no segundo trimestre deste ano, conseguiu finalmente recuperar os empregos perdidos naquele período. Para tal precisou do dobro do tempo. Foram necessários 21 trimestres para recuperar meio milhão de postos de trabalhos destruídos em apenas 10 trimestres.

Mas nada ficou como dantes. Os empregos criados não são os mesmos que foram destruídos. O vendaval deixou marcas no mercado de trabalho e na estrutura produtiva do país. Passada a crise, o mercado de trabalho ficou mais feminino e envelhecido, muito mais qualificado e cada vez mais concentrado nos serviços e nas regiões de Lisboa e do Norte.

Mulheres conquistam espaço aos homens

Do meio milhão de postos de trabalho destruídos entre o final de 2010 e o início de 2013, 60% eram de homens (apesar destes representarem apenas 52,6% do mercado de trabalho). Por outro lado, quando começou a recuperação do emprego, os homens também ficaram em desvantagem: 55% dos empregos criados a partir do segundo trimestre de 2013 foram ocupados por mulheres. Outra forma de ver o mesmo fenómeno: os homens perderam 302 mil empregos durante a crise e só recuperaram até agora 235 mil. Já as mulheres, perderam 202 mil, mas retomaram 284 mil. Resultado: as mulheres representam agora 49% dos postos de trabalho contra 47% no quarto trimestre de 2010 – as conclusões pouco mudam se a comparação for feita com o segundo trimestre de 2010 (homólogo).

Mão-de-obra envelhece mas é mais qualificada

Paralelamente com este fenómeno de gradual feminização, houve um envelhecimento significativo do mercado de trabalho. Antes da crise, os trabalhadores com mais de 45 anos representavam 43% do mercado de trabalho. Agora chegam a 48%. Em sentido inverso, os jovens até aos 34 anos passaram de um peso de 29,6% para 25,3%. A explicação está nos fluxos de destruição e criação de emprego: a economia só recuperou 10% dos quase 200 mil empregos de jovens entre os 25 e os 34 anos. Pelo contrário, 69% dos empregos criados nos últimos cinco anos estão ocupados por pessoas com mais de 45 anos. Mas se a mão-de-obra empregada está mais velha, isso não significa que seja menos qualificada. Ao invés, neste momento, 26,5% dos empregados têm curso superior, contra 17,1% há oito anos. E a mão-de-obra com estudos até ao 3º ciclo do ensino básico, passou de 64% para 46% da população empregada. Outro número que fala por si: em termos líquidos, todo o emprego destruído na crise era desqualificado; e 74% do emprego
criado a seguir à crise “tem” ensino superior”.

Radiografia: Que tipo de emprego surgiu após a crise? Os empregos criados após 2013 são muito diferentes dos que foram destruídos nos piores anos da crise. O mercado de trabalho é agora mais feminino, mais velho e mais qualificado. E serviços, muitos serviços.

Mais mulheres: Os números são muito claros. Os homens perderam 310 mil empregos e recuperaram apenas 235 mil. Já as mulheres, perderam 202 mil mas ganharam 284 mil. Resultado: as mulheres já representam quase metade dos empregados em Portugal.

Mais Velhos: É uma das evoluções mais surpreendentes. Todos os grupos etários foram muito afectados pela crise, mas o choque foi maior entre os 25 e os 34 anos. O INE estima que quase 200 mil tenham perdido o emprego entre 2010 e o início de 2013. Quando o ciclo mudou, foram os trabalhadores mais velhos que mais beneficiaram: foram criados 219 mil empregos no segmento entre os 55 e os 64 anos, quando só 37 mil empregos foram destruídos antes.

Mais qualificados: Ainda durante a pior fase da crise, o emprego qualificado continuou a crescer. Quando o mercado de trabalho recuperou, explodiu: três em cada quatro novos empregados têm ensino superior. No extremo oposto, os empregos com o primeiro ciclo de ensino básico caíram 215 mil desde que o mercado de trabalho recomeçou a crescer (em parte resulta da passagem à reforma de trabalhadores desqualificados).

Por conta de outrem: O número de empregos criados por conta de outrem é quase o dobro dos que foram destruídos na crise. Já o trabalho por conta própria continuou a baixar como se não houvesse recuperação da economia.

Serviços lideram: A agricultura não pára de perder emprego. A indústria recuperou pouco mais de metade dos empregos destruídos e os serviços criaram três vezes mais empregos que os destruídos na crise, à boleia do turismo.

O mercado de trabalho antes e depois da crise: A crise que se abateu sobre Portugal arrasou o mercado de trabalho e deixou marcas profundas. Recuperado meio milhão de empregos, vale a pena ver o que mudou estruturalmente no mercado laboral entre 2010 e 2018.

Precariedade na mesma

Tipo de contrato em 2010 e 2018 (% do totaldos empregos por conta de outrem) É dos poucos aspectos que não mudou na economia portuguesa. No segundo trimestre deste ano, 22,1% dos empregos existentes tinham vínculos precários, uma percentagem idêntica à verificada no quarto trimestre de 2010, quando a economia tinha o mesmo número de postos de trabalho. Se a comparação for feita com o período homólogo de 2010 (em que o número total de emprego era menor do que agora), as conclusões pouco mudam (22,9%).

Serviços cada vez mais dominantes

Peso do emprego sectorial na economia em 2010 e 2018 (em %) Só 6,5% dos empregados estão na agricultura (315 mil). Em 2010, antes da crise, eram 11%. A indústria também perdeu peso no trabalho, ao passo que os serviços dispararam, com o turismo. Olhando para o perfil dos empregos destruídos e criados vê-se que a indústria recuperou só 57% dos empregos perdidos, enquanto os serviços criaram três vezes mais empregos do que os destruídos. A agricultura esteve sempre a perder. Conclusões não mudam na comparação homóloga.

Trabalho mais por conta de outros

Peso do emprego por conta de outrem e por conta própria em 2010 e 2018 (em %) Dos 4,9 milhões de empregos existentes no segundo trimestre deste ano, 83% são por conta de outrem. No quarto trimestre de 2010 eram 77%. Já os empregados por conta própria passaram de 16,6% para 11,6%, de onde se depreende que houve uma transferência de um grupo para o outro. Os dados do INE mostram ainda que os trabalhadores/empregadores também perderam relevo. As conclusões não mudam quando a comparação se faz com o segundo trimestre de 2010.

Centro só retomou 1/3 dos empregos

Distribuição dos empregos por região em 2010e 2018 (em %) Em termos regionais, a história é fácil de contar. A região Centro perdeu muito peso no mercado de trabalho, enquanto o Norte e, sobretudo, a Área Metropolitana de Lisboa ganharam força. Olhando para os fluxos fica mais claro o que realmente aconteceu: a região Centro só conseguiu recuperar um em cada três empregos destruídos. Já o Norte e Lisboa foram capazes de criar mais empregos do que aqueles que foram eliminados durante o período negro da crise.

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