Representante do Comércio e Serviços teme que o Orçamento volte a ignorar as empresas. Diz que o IVAucher foi “positivo, mas insuficiente”. E tem a “vaga esperança” de ver incentivos à dedução de lucros reinvestidos do documento.

Adias de se conhecer o Orçamento do Estado (OE) para 2022, que vai determinar grande parte do que será a vida das famílias e empresas no próximo ano, João Vieira Lopes fala das prioridades para as empresas. O presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que representa o setor na Concertação Social (CS) e é porta-voz do conselho nacional das confederações patronais tem defendido a necessidade de um choque fiscal para empresas.

É por aí que começamos. Esse choque que pedia implicaria a redução temporária de IVA. Já perdeu a esperança nele?
As nossas expectativas não são excessivas. Tivemos uma má experiência no OE2020, em que o governo se esqueceu das empresas. As confederações e as empresas não são contra o Estado tomar um conjunto de medidas sociais para famílias e indivíduos, mas não se consegue fazer política social contra a economia e as empresas, porque são estas que criam valor, emprego. É preciso apoiar o tecido empresarial. Há algum foco nas recuperações de taxas de crescimento, mas as estatísticas enganam: se a taxa de Portugal é maior do que a média europeia – e hoje nem é – essa média é influenciada por grandes economias, que crescem pouco. Ora aqueles com quem temos de comparar-nos é que nos preocupam, os do nosso campeonato: os países bálticos, da Europa de Leste, e infelizmente por esses temos sido sistematicamente ultrapassados. A recuperação portuguesa é positiva, mas para convergirmos em termos europeus não é a média, é o modo como nos posicionamos em relação a esses países que conta. O governo para fazer aprovar o OE tem de fazer compromissos políticos, não o discutimos, mas sim as suas consequências. E tudo quanto é direto para as empresas é omitido ou relegado a segundo ou terceiro plano. Todos pensamos que é bom os portugueses terem melhores salários, viverem melhor, mas para isso há que criar valor, riqueza. E as empresas privadas tirando certos apoios que funcionaram razoavelmente têm de merecer atenção do governo. A reação a esta crise foi assimétrica entre setores e em relação a empresas mesmo no mesmo setor e era preciso um choque fiscal transversal para animar a economia além da recuperação espontânea.

Mas insisto: já perdeu esperança? Nada aponta que vá haver…
O governo ainda não nos disse nada – aliás é lamentável: na concertação social apresentámos, em setembro, um leque de propostas e até hoje as Finanças não se deram ao trabalho de nos receber. Portanto, não, não estou otimista.

Para além do IVA, o choque fiscal passaria por que impostos?
Nós, no documento que apresentámos ao governo, levámos várias ideias. Por exemplo, uma proposta de escalonamento do IRC, o acordo feito ainda no tempo de Passos Coelho, entre PS e PSD, para baixar escalonadamente o IRC ao longo dos anos. Estamos de acordo com a redução de taxa de IRS – se aumentar o rendimento das famílias, elas vão consumir mais e a pandemia mostrou a importância do mercado interno. E há a questão histórica das tributações autónomas, um imposto sobre os custos, uma originalidade que quase só existe aqui. Não esperamos que todo este pacote seja aprovado, mas seriam caminhos importantes para dinamizar as empresas.

Em função do que se tem passado nestes anos, esperamos para ver. Temos assistido a grandes promessas que na concretização falham os efeitos práticos significativos.

Refere-se ao IVAucher?
O IVAucher foi uma boa ideia, complicada em termos burocráticos, que depois teve de ser alargada e simplificada. É positivo, mas o facto de ter ficado muito abaixo dos objetivos mostra a dificuldade em implementar, porque exigia alguma literacia digital.

Para as pessoas. E para as empresas gastos tecnológicos.
Sim, mas nas empresas há abertura; a principal dificuldade foi a falta de compreensão do consumidor, e dar trabalho. Portugal tem uma tradição na área promocional: o que funciona é o desconto direto; e alguns países fizeram-no, como Inglaterra. O IVAucher foi positivo, mas insuficiente.

Para além da questão fiscal, que expectativas tem para este OE para as empresas?
Nós propomos uma série de coisas, como a suspensão e diminuição de novas obrigações fiscais e propostas fundamentais na capitalização das empresas, que é um problema estrutural e que a crise piorou. No primeiro ano de pandemia, havia expectativa de que não durasse tanto e nos anos anteriores tinha havido bons resultados e as empresas tinham reservas. Mas foram gastando essa almofada e o tipo de apoios dado foi positivo, mas muitos limitaram-se a adiar compromissos fiscais ou aumentar o endividamento. Estamos muito preocupados com este Programa Retomar – que pretende responder às moratórias, mas não chega a 10% das atividades económicas e do volume total do crédito.

A banca não está preocupada.
Os bancos resolveram muitos problemas das empresas em melhor situação, sobram as complicadas.

E o fundo de reserva do Banco de Fomento não chega?
Com regras tão restritivas, poucos terão acesso. As empresas elegíveis são poucas. E depois, como estas reestruturações de dívida ficarão como reestruturações normais, a capacidade de endividamento e classificação em termos de crédito das empresas vai baixar muito. Ou seja, não há medidas para considerar isto uma coisa excecional. Por outro lado, propusemos incentivos à dedução de lucros reinvestidos e nessa área há uma vaga esperança de que o governo produza algumas medidas. Veremos quais.

Criar novos escalões de IRS pode aumentar o consumo?
Sim, é favorável. Até porque o rendimento médio em Portugal é baixo e qualquer melhoria – por aumento salarial ou baixa fiscal – é positiva. Mas veremos o que sai na realidade. Globalmente, defendemos que deve haver uma política pró-cíclica, de incentivo; não pensar que a crise passou e desliga-se o interruptor e a coisa cresce sozinha. Porque a economia tem fragilidades e mesmo com os fundos, as empresas precisam do empurrão.

Numa frase, quais são as suas expectativas para o OE?
Estamos bastante preocupados.

Os preços da eletricidade no mercado retalhista têm batido recordes. O ministro do Ambiente garante que em 2022 as empresas vão ter uma redução de pelo menos 30% na tarifa de acesso às redes. Fica satisfeito?
Comparado com o que se tem feito noutros países é insuficiente. Mais uma vez, quer na eletricidade quer nos combustíveis, os impostos pesam. Sabemos que há uma subida em termos mundiais, mas o governo devia neutralizar parte dela através da parte fiscal.

Sim. Estamos de acordo com esta medida, mas é insuficiente.

Mas há margem orçamental para isso?
O Conselho de Finanças Públicas falava numa margem de 1600 milhões – e costuma ser conservador… Se não se aproveita enquanto há flexibilidade nos limites da dívida e do défice para ajudar a economia, depois se calhar voltam políticas austeritárias e as empresas terão mais dificuldades. E a experiência mostra que funciona: quando se baixou o IRC, a receita aumentou e nem estávamos em fase de crescimento, foi na troika. É preciso alguma audácia porque estas medidas serão compensadas pela dinâmica económica.

As medidas anunciadas pelo ministro do Ambiente são financiadas por dinheiro público. Significa que famílias e empresas vão pagar estes aumentos?
A prazo, essas coisas são sempre pagas. Já tivemos essa experiência de criação artificial de preços da energia, o défice tarifário, que aumentou bastante. Mas este momento é a oportunidade – e necessidade – para dar esses choques.

Mas é um equilíbrio difícil porque são medidas que depois não deixam baixar os impostos porque há mais despesa…
Sim e não, porque grande parte destas medidas acaba por ser compensada em grande medida pelo aumento das receitas fiscais com crescimento económico. Além disso, há que aproveitar a folga nas exigências europeias.

Nunca fomos partidários, na CCP, que agrupa as associações de transportes, da tabelação de preços. Defendemos alívio da carga fiscal. O que acontece é que há um conjunto de despesas que poderão ser racionalizadas em termos de funcionamento do Estado e se vai sempre adiando. Quando se discutia o preço dos combustíveis por comparação com Espanha, tomou-se medidas para os transportes de mercadorias que até aumentaram a receita, porque na fase anterior dizia-se que a fronteira espanhola tinha entrado 70km em Portugal – compensava ir abastecer lá.

Mas agora também há os incentivos da transformação verde…
É um caminho inevitável, mas às vezes queremos ser fundamentalistas e pioneiros onde não o devemos ser, podíamos escalonar o ritmo em mais anos.

O governo devia ir mais longe ou prolongar apoios aos setores como os serviços, profundamente afetados pela crise? Com novos IVAuchers por exemplo?
Esse tipo de incentivos ao consumo, até com base na experiência deste, podiam ser interessantes.

O governo já deu a entender que vai estar focado no controlo das contas públicas e ainda nesta semana Mário Centeno, no BdP, avisou que era preciso começar a controlar a despesa acrescida… concorda com essa visão?
Reduzir despesa é necessário. Mas em que grau? Isto não é apagar o interruptor.

Não se devia reduzir já nos setores afetados pela pandemia.
Os apoios deviam ser transversais em função da quebra de receitas.

Não por setor mas pela quebra?
Isso. Esta restrição cria grandes injustiças. Na pandemia havia apoios para empresas fechadas mas esquecia-se que quem as fornecia também não estava a fazer negócio. A restauração fechada significa que as cervejeiras também não vendiam. Por isso temos sempre sido críticos em relação à excessiva especialização das medidas.

O salário mínimo (SMN) deverá aumentar para 705 euros. As empresas estão em condições de suportar este encargo adicional?
Criticámos sempre que o SMN seja uma medida tomada por decisão administrativa. O governo assumiu uma fasquia para a legislatura e houve esta pandemia, mas age como se nada se tivesse passado – agravado agora com a crise das matérias-primas, etc.

Então os 750 para a legislatura deviam ser revistos?
O que eu acho é que este tipo de medidas não pode ter metas estabelecidas assim. O comércio está muito interessado em que as pessoas ganhem mais – estes aumentos pequenos são totalmente consumidos, não vão para poupança – mas há aqui uma questão de racionalidade económica. É preciso analisar parâmetros de produtividade, inflação, crescimento da economia e em função disso ver.

E os 750 euros fazem sentido?
A CCP não toma posição sobre números. Estamos a analisar a evolução desses parâmetros, dispostos a discutir e a que se aumente – nunca defendemos a suspensão, como se fez na troika, apenas aumentos menores. É preciso consenso e neste momento, provavelmente temos de olhar para o retrato, ver como se vai desenvolver o crescimento. Preferíamos que se analisasse de outra ótica: os fatores económicos, um certo benefício social que o SMN traz na luta contra pobreza, e partir daí para a frente – e não o contrário. Porque se parte do princípio que é obrigatório chegar aos 750 em 2023, divide a meio e é 40 agora e 45 depois – não tem nada que ver com princípios económicos.

Mas admite que haja empresas que não o consigam suportar?
Depende dos setores, em alguns é mais difícil. Há empresas exportadoras que têm dificuldade em acompanhar, porque o SMN pesa bastante nos custos. E há uma série de áreas de serviços às empresas, de mão-de-obra intensiva (contact centres, limpeza, segurança, etc.) que têm contratos com o Estado, com bancos, grandes superfícies, etc. e que estão feitos com base no SMN do ano em que se assinou o contrato e nunca os reviram. Esses setores têm mais dificuldade em fazer o ajustamento. E o Estado aí não tem sido um parceiro fiável: pôs nos acordos que haveria ajustamento de contratos conforme subisse o SMN e neste ano até previu esse valor no OE, mas estamos no fim do ano e a portaria ainda não saiu.

Portanto o governo determinou o aumento do SMN e não atualizou os contratos.
Pois, e até meteu no OE o valor, havia cobertura orçamental, mas ainda não se fez. E algumas empresas têm dificuldades, as mais pequenas. Noutros setores, há até falta de mão-de-obra: a construção por exemplo, portanto pagam mais, no turismo idem.

Como vê as alterações que o governo prevê fazer às leis laborais?
Não é o momento para isso. Uma coisa são questões que a pandemia levantou: o teletrabalho, a flexibilização, podem ter ajustamentos. Mas o modo como está a ser encarada essa problemática cria dificuldades às empresas. E há coisas absurdas: obrigar as empresas de trabalho temporário a ter quadros fixos é a negação do conceito de trabalho temporário. As plataformas que criaram emprego durante a crise podem precisar de regulamentação, são modelos de negócio novos, mas o governo querer considerar prestadores de serviços como quadros não tem lógica. Tudo isto tem razões políticas, para garantir aprovação do OE.

Para agradar à esquerda?
Aos eventuais parceiros que possam subscrever o OE. Não faz sentido discutir o Livro Verde de forma programada e depois vir esta sofreguidão para ter tudo resolvido até fim do mês. É agenda política, não económica.

Se o aumento do SMN for o que se fala, que compensações pedirá ao governo para ajudar?
Não gosto de pôr as coisas nesses termos de compensações. A questão é criar condições para haver absorção dos aumentos, especialmente se forem muito acima dos fatores económicos. No passado, o que melhor funcionou foi haver um desconto na TSU por certo período para ajudar as empresas. No ano passado o governo arranjou um esquema diferente que em nossa opinião funcionou bastante mal e houve situações absurdas: o o contrato coletivo dos setores de limpeza dizia que era meio por cento acima do SMN da limpeza e esses setores não foram abrangidos – tornou-se um incentivo a nesses setores não se pôr salários acima do SMN. Foi ilógico e negativo.

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