Drones desinfetantes. O novo futebol está a chegar

As empresas do setor da higiene e desinfeção têm estado na linha da frente do combate à Covid-19 e dizem estar preparadas para garantir o regresso do futebol, de forma segura, apesar de ainda haver muitos aspetos por esclarecer. Contratação das empresas não será centralizada. Custos vão aumentar. 

São cinco e meia da manhã e a temperatura está a ser medida às seis trabalhadoras incumbidas de assegurar a higiene e desinfeção do Centro de Treinos do Sporting.

Tem sido assim, desde que os jogadores e equipa técnica regressaram aos treinos. A Academia de Alcochete vive dias marcados pela cautela e por uma ocupação contida dos espaços, que pouco ou nada têm a ver com a agitação associada aos diferentes escalões de formação, ainda a aguardar por autorização para retomarem os treinos de futebol.

As seis trabalhadoras colocadas pela Serlima em Alcochete são um pelotão reduzido do total de 35 elementos que habitualmente prestam serviço nas instalações do Sporting, incluindo o estádio José Alvalade e o pavilhão João Rocha, presentemente sem qualquer atividade devido à Covid-19.

João Guerreiro sublinha o cuidado colocado na higiene dos quartos de cada um dos jogadores que compõem o plantel leonino.

“Os jogadores não estão a utilizar balneários. Estava e está preparado um plano de desinfeção dos balneários por vaporização ou nebulização, mas eles decidiram fazer uso dos quartos. Quando voltam do treino é ali que tomam o seu duche e, logo a seguir, os quartos voltam a ser desinfetados”, explica, fazendo notar que a operação é feita “sempre sem coincidir a presença e trabalhando por alas dentro das instalações”.

Para além dos quartos em particular, as operações de higiene e desinfeção levadas a cabo em Alcochete estendem-se ao refeitório e outras áreas comuns. “Podemos imaginar que a academia tem uma componente do tipo hoteleiro” e é nesse contexto que o trabalho é feito, explica este responsável.

Medição de temperatura sim, testes à Covid-19 ainda não

Questionado pela Renascença sobre a eventual realização de testes de rastreio à Covid-19 às colaboradoras que trabalham diariamente em Alcochete, o responsável pelas operações da Serlima esclarece que “não foi solicitado que fossem feitos testes às trabalhadoras”. Os testes serão feitos “quando for testado todo o pessoal na Academia; neste momento não estão a ser testadas”, observa.

Para além da utilização dos equipamentos de proteção individual (EPI) é feita a medição da temperatura de cada pessoa à entrada, procedimento que o Sporting está a aplicar “a toda a gente e às nossas empregadas também”, informa João Guerreiro.

Os clubes e as empresas de higienização cumprem, por agora, as recomendações gerais de prevenção da Direção-Geral da Saúde. O parecer técnico que enquadra as condições exigidas para a que a Primeira Liga seja retomada, a 30 de maio, prevê a elaboração, por parte da Federação Portuguesa de Futebol, de um documento com recomedanções e regras.

Nesse documento devem constar “as condições de higiene e segurança dos locais de treino, incluindo a lotação máxima, as referentes às instalações sanitárias, balneários e ginásios, bem como os respetivos procedimentos de desinfeção e limpeza”.

Mais despesa para os clubes. O Sporting não é exceção

O acréscimo de custos com serviços de higiene, limpeza e desinfeção na Academia de Alcochete é da ordem dos 33%, revela o diretor geral de operações da Serlima.

O aumento na fatura apresentada ao fim do mês advém do facto de o clube ter solicitado “mais pessoal na limpeza” e de “maiores custos associados à utilização de produtos específicos de desinfeção contra a COVID-19”.

Desinfeção de bancadas prevista no plano de desinfeção do Estádio de Alvalade

Alvalade e os restantes estádios da Primeira Liga têm estado desertos e assim deverão permanecer até ao final deste mês de maio, a confirmar-se o regresso do campeonato para que sejam concluídas as derradeiras dez jornadas da competição.

“A perspetiva é que as pessoas regressem aos estádios em número muito menor, fazendo uma gestão da lotação dos espaços”, diz o diretor geral da Serlima.

A proposta já desenhada pela empresa, para ser apresentada ao Sporting, prevê nomeadamente a higienização de “todos os pontos de entrada, incluindo torniquetes e corrimãos” e colocação de “pessoal a dispensar gel desinfetante em pontos estratégicos”.

João Guerreiro faz notar que, “mesmo não havendo público nas bancadas, as pessoas terão de passar por um crivo de desinfeção e os sítios por onde elas passarem terão que ser desinfetados.

A Serlima aplica habitualmente três métodos alternativos ou complementares de desinfeção do espaços – por ozono, por atomização e por pulverização.

Aquilo que a empresa irá propor ao Sporting é “em conjunto, definir os espaços que devem ser desinfetados no seu todo”, prevendo que “as bancadas também venham a ser desinfetadas quando o público regressar ao estádio”.

Cada um trata da sua casa e com gente da sua confiança

Alvalade – um dos estádios construídos para o Euro-2004 – é um dos melhores palcos para jogos de futebol em Portugal e seguramente irá figurar na lista de recintos que, a partir do final do mês de maio, irão receber jogos à porta fechada, na perspetiva de a época oficial 2019/20 ser fechada ao cabo da 34ª jornada.

Ao que a Renascença apurou junto da Liga Portugal, cada clube será responsável pela higienização do seu estádio.

A mesma fonte indica que haverá um controlo das operações, cujos contornos ainda estão por detalhar, na justa medida em que continuam por definir pormenores relacionados com o processo de retoma da atividade no futebol profissional. No caso concreto, os jogos da Primeira Liga, os únicos que poderão vir a realizar-se, numa temporada que, a correr bem, fechará com a Final da Taça de Portugal, entre Benfica e FC Porto.

A contratação de serviços de higienização por cada clube acaba por ser normal, na linha do que já acontece, com cada um a contratar um diferente prestador de serviços, garantindo por essa via que sejam respeitadas regras de confidencialidade que, doutra forma poderiam ser facilmente quebradas.

Também por aqui se percebe por que motivo, Benfica, Porto e Sporting têm diferentes parceiros nesta área.

Drones a desinfetar bancadas

“Haverá um dia em que teremos púbico a assistir aos jogos de futebol e, nessa altura, aquilo que se prevê é que a desinfeção dos estádios possa ser feita através de nebulização por drone”.

A perspetiva é avançada por Fernando Sabino. O presidente da Associação Portuguesa de Facility Services (APFS) garante à Renascença que “há já empresas apetrechadas para fazer este tipo de serviço”. Com o uso dos drones a desinfeção de uma área tão grande como é a de um estádio de futebol será mais eficiente e mais rápida.

Fernando Sabino é o rosto de uma associação que representa meia centena de empresas do setor da higiene e desinfeção. Dito assim o número pode parecer insignificante, mas assume outro significado se dissermos que estas empresas detêm 70% da quota do mercado da atividade em Portugal. É deste núcleo que saem as empresas que prestam serviços a vários clubes de futebol profissional.

Entrevistado pela Renascença, o presidente da APFS diz sentir que “há uma grande preocupação dos clubes em proteger os seus ativos, que são os jogadores”, porque no caso de surgirem atletas infetados – como já aconteceu no Benfica, V. Guimarães, Famalicão e Moreirense – um aumento do contágio “pode ser muito grave”.

Fernando Sabino destaca que “há dúvidas sobre muitos aspetos que provavelmente só ficarão esclarecidas mais perto do início do campeonato”

Na mesma entrevista, este dirigente do setor de “Facilty Services” dá conta de empresas que já terão submetido os trabalhadores a testes Covid e que medem a temperatura aos trabalhadores antes destes poderem iniciar as suas tarefas, medida que, como já vimos, também está a ser seguida em Alcochete.

Na linha da frente e quase sempre de forma invisível

“Nunca a limpeza e desinfeção terá sido tão importante como agora”, sublinha o presidente da APFS.

“Normalmente é um serviço invisível, ninguém dá por ele”, mas a verdade é que “as empresas e os trabalhadores deste setor têm tido um papel fundamental ao lado dos profissionais de saúde”, destacando a imagem marcante de “um doente infetado a ser transportado num hospital e, logo atrás, o trabalhador da limpeza a desinfetar toda a zona por onde ele ia passando”.

Este papel, muito importante nos hospitais, estende-se a outros locais e empresas, como os transportes, distribuição alimentar, etc., faz notar Fernando Sabino.

Empresas esperam mais trabalho. Custos para os clientes vão aumentar

O principal dirigente do setor da higiene e desinfeção revela, nesta entrevista à Renascença, que o “’lay-off’ teve um impacto na ordem dos 30% no volume de negócios das empresas”.

Quanto ao futuro, as estimativas são feitas a partir dos dois pratos da balança. “Sabemos, por um lado, que vai haver redução de atividade, porque há empresas ou estabelecimentos que encerram e já não voltam a abrir, diz, acentuando que ”há alguns casos em que isto já está a acontecer”.

Mas, por outro lado, “há um aumento de atividade que já se está a verificar”. “Os estabelecimentos precisam de uma limpeza e desinfeção profundas antes de reiniciar a sua atividade e, uma vez reiniciada, necessitam que a limpeza seja feita de uma forma reforçada”, como seja o “aumento das frequências de limpeza e desinfeção, principalmente de áreas como as casas de banho, portas e maçanetas, corrimãos e todas as superfícies mais tocadas ao longo do dia”.

A acompanhar este acréscimo de tarefas e de responsabilidades deverá assistir-se a um aumento no valor das faturas a apresentar aos clientes pelos serviços prestados, mas a APFS acredita que não haverá um aumento exponencial dos preços.

“Com certeza não vai haver um aproveitamento, por parte das empresas, para aumentar a sua margem por esta via; vai haver um aumento da fatura, porque os custos da prestação do serviço aumentam”, diz Fernando Sabino, complementando que para além da maior frequência das operações e da maior exigência nos produtos utilizados, “o aumento de custos para as empresas do setor tem a ver com a utilização em maior quantidade dos equipamentos de proteção individual” que, até agora, e salvo serviços muito específicos se resumiam à utilização de luvas.

Cuidado com os “piratas” da limpeza e desinfeção

“Um serviço inadequado pode representar a contaminação de muitas pessoas”, avisa Fernando Sabino, fazendo notar que “há muitos piratas a trabalhar nesta atividade, muita gente a trabalhar de forma irregular que prejudica a imagem daqueles que são sérios a trabalhar e prestam um bom serviço”, declara.

O presidente da APFS lembra que “tratar a saúde pública também passa pela prevenção que se faz através da limpeza e desinfeção”, sublinhando que “agora as coisas são mais graves; o que pode resultar de um mau serviço tem um nível de gravidade que não tinha há poucos meses”.

É fundamental, observa, que “para bem de todos nós, exista esta preocupação e os clientes façam uma seleção rigorosa daquelas empresas que podem efetivamente prestar o serviço de forma correta”.

O setor da limpeza e desinfeção mobiliza em Portugal cerca de 4300 empresas. A meia centena de associadas da APFS representa 70% do mercado, ou seja, a grande fatia dos 700 milhões de euros que o setor movimenta todos os anos, dando emprego a 80 mil trabalhadores.

Publicado em: https://rr.sapo.pt/2020/05/12/futebol-nacional/drones-desinfetantes-o-novo-futebol-esta-a-chegar/especial/192541/?utm_medium=rss