Novas regras da caducidade lançam controvérsia

A DGERT entende que o novo Código do Trabalho vem trazer uma nova possibilidade de caducidade “parcial” das convenções coletivas. A CCP e a UGT admitem o mesmo, apesar das dúvidas. A CIP a CGTP, pelo contrário, não encontram esta novidade na lei.

As alterações ao Código do Trabalho nasceram de um acordo de concertação assinado em maio de 2018, foram debatidas no Parlamento ao longo de um ano, mas só agora, depois da entrada em vigor da nova lei, surgem interpretações divergentes sobre uma questão que é politicamente sensível: a caducidade das convenções coletivas. Até porque interfere nas próprias estratégias negociais de sindicatos e patrões. A questão está em saber se as alterações que entraram em vigor no dia 1 permitem que as convenções possam caducar apenas parcialmente. Os serviços do Ministério do Trabalho, as associações patronais e as sindicais dão respostas diferentes a esta pergunta.

As convenções coletivas são os acordos setoriais ou de empresa que definem condições salariais e de trabalho, com força de lei. Quando é pedida a denúncia da convenção – geralmente pelas associações patronais – e uma vez esgotadas as tentativas de negociação, conciliação e mediação, bem como os prazos previstos na lei, sem que tenha sido possível um acordo, a convenção caduca integralmente (mantendo-se apenas algumas regras sobre salários ou organização do trabalho para os trabalhadores já abrangidos, mas não para futuro).

Ora, de acordo com a diretora-geral da Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT) – uma entidade que tem competências na área da negociação coletiva – as mudanças trazem uma nova possibilidade: a de uma associação patronal (ou sindical) poder denunciar apenas parcialmente uma convenção coletiva, com vista a que, no final do processo, apenas algumas das cláusulas caduquem, salvando-se o resto do acordo.

Isto porque onde se lia que a convenção coletiva “pode cessar”, nomeadamente por revogação ou caducidade, lê-se agora que “pode cessar no todo ou em parte”.

A questão, que passou despercebida durante o debate no Parlamento, foi levantada numa conferência sobre a lei laboral organizada pela Confederação de Comércio e Serviços (CCP) e pela sociedade José Pedro Aguiar-Branco Advogados, no dia 10.

A alteração “vem clari􀁿car que pode haver denúncia de um só artigo, ou de dois, ou de três, ou de todos, mas que não é necessariamente preciso deitar abaixo uma convenção inteira se só está em causa um conflito num só artigo”, explicou Sandra Ribeiro, diretora-geral da DGERT.

Quer isso dizer que é possível denunciar apenas algumas cláusulas e que, caso não haja acordo, só estas caducam? A esta pergunta a responsável respondeu sim. “Tem razão naquilo que diz”, concordou, sublinhando que nada impede a outra parte de responder com o pedido de caducidade integral da convenção. “Se estamos no campo da teoria e se depois é diferente na prática, admito que sim, mas parece-me que a alteração introduzida permite essa situação”, concluiu Sandra Ribeiro.

Uma possibilidade que é considerada interessante pela Confederação do Comércio (CCP). “Ainda temos muita dificuldade em avaliar a plenitude da norma. A grande vantagem que pode ter é que em termos históricos algumas cláusulas eram muito complicadas e forçavam a uma caducidade total. Imagine por exemplo o caso de trabalho suplementar muito mais caro. É pesado para as empresas”, ilustra Ana Vieira, secretária-geral da CCP, com cautela: “Vamos ver como funciona. Estes processos são muito complicados na prática e as dúvidas jurídicas só agora se vão começar a levantar.”

Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, subscreve a interpretação: “Não me parece adequado fazer caducar toda uma convenção só por causa de determinada matéria”, sustenta.

CIP e CGTP contestam

Esta leitura não é partilhada pela CIP e pela CGTP. “É uma falsa questão”, diz Gregório Novo, dirigente da CIP. “Que a denúncia tem de ser global resulta expresso no Código, que obriga a que seja acompanhada de uma proposta global. Quanto à caducidade, é o próprio código que remete para o artigo onde 􀁿ca claro que é a convenção que caduca e não apenas parte dela”.

Opinião idêntica tem o advogado Pedro Furtado Martins, para quem a nova referência na lei “não muda nada”. “A convenção tem duas maneiras de terminar: por acordo ou caducidade. Por acordo as partes já tinham possibilidade de fazer uma revogação parcial. Por caducidade não. A meu ver, continua a não ser possível fazer uma caducidade parcial porque quem quiser terminar com a convenção tem de apresentar uma proposta negocial global”, como exige a lei. “É sobre esta proposta que as partes vão negociar. Se não
chegarem a acordo, cai a convenção”.

Sublinhando que a questão não foi debatida em concertação social, Arménio Carlos, da CGTP, também contesta a interpretação da diretora-geral da DGERT. “É uma falsa interpretação. O que a legislação prevê é a denúncia global. O resto não está lá.”

As outras alterações que afetam a negociação coletiva

A legislação laboral mudou no início deste mês, mas há uma série de pequenas regras que ainda terão de ser explicadas. A possibilidade de caducidade parcial de uma convenção, que não é pacífica, é apenas uma delas.

O Negócios sistematiza agora as outras alterações sobre negociação coletiva, que não têm levantado dúvidas.

Denúncias das convenções têm de ser fundamentadas: Com as alterações que entraram em vigor a 1 de novembro passou a exigir-se a fundamentação da denúncia de uma convenção coletiva “quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada”. É obrigatório comunicar a denúncia à DGERT no prazo de dez dias.

Trabalho suplementar não pode ficar abaixo dos níveis da lei: Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho deixam de poder estabelecer montantes de pagamento do trabalho suplementar inferiores aos que constam da lei (que por sua vez baixaram durante o programa de ajustamento, para 25% na primeira hora de dia útil, 37,5% nas horas ou frações subsequentes e 50% em dia descanso ou feriado). As convenções que não o garantem têm de ser revistas dentro de 12 meses, sob pena de nulidade das cláusulas.

Regras de Parentalidade e Segurança sobrevivem ao fim das convenções: Quando uma convenção coletiva caduca, há matérias que transitam para o contrato de trabalho do trabalhador, de forma a evitar, por exemplo, cortes salariais. Às matérias que já constavam da lei, que incluem a retribuição ou a duração do trabalho, foram agora acrescentadas as regras sobre parentalidade e segurança e saúde no trabalho.

O que as convenções podem fazer na contratação a termo: Uma convenção coletiva deixa de poder afastar o regime do contrato a termo, mas com duas exceções. As convenções poderão elencar outras “necessidades temporárias” que justifiquem a contratação a termo e poderão afastar a regra que, num processo de contratação, dá preferência aos trabalhadores que estão ou estiveram na mesma empresa a prazo.

Nova figura de arbitragem ou mediação: Quando num processo destinado a fazer caducar a convenção coletiva se aproximar o do prazo chamada “sobrevigência”, de 12 ou 15 meses, consoante os casos), qualquer parte poderá pedir ao Conselho Económico e Social que crie um tribunal arbitral, com um mediador que ainda pode tentar um acordo. Mas este processo ainda está dependente de nova legislação específica.

Fim de convenção por extinção de associação: Uma convenção coletiva pode caducar quando se extinguir uma associação patronal (ou sindical). Contudo, se se concluir que a extinção foi deliberada, não haverá caducidade. A norma é polémica, até porque há precedentes, por exemplo, no setor segurador. O Tribunal Constitucional ainda vai fazer a apreciação sucessiva deste artigo a pedido dos deputados do Bloco de Esquerda e do PCP.

Publicado em: https://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/novas-regras-da-caducidade-lancam-controversia