Inteligência artificial ajuda no combate ao surto

Tecnologia está a ser usada por várias empresas para prever, rastrear e conter a propagação de doenças infecciosas como o coronavírus

Não irá substituir-se aos epidemiologistas nem, por si só, travar a propagação de doenças infecciosas como o coronavírus. Mas a inteligência artificial pode ter um papel importante no combate a estas epidemias. Aliás, já está a ter.

O surto do 2019-nCoV — nome dado ao novo coronavírus, que causa doença respiratória potencialmente grave, como a pneumonia — tem sido acompanhado por uma explosão de tecnologias de inteligência artificial, para ajudar a prevenir, rastrear e conter esta família de vírus, que já tirou a vida a quase 500 pessoas e infetou mais de 24 mil na China, tendo alastrado a vários países do mundo.

Robôs de limpeza — que substituem empregados que desinfetam alas hospitalares segregadas — ou assistentes pessoais automatizados — que telefonam às pessoas, fazem-lhes perguntas e, com base nas respostas, dão-lhes recomendações para ficarem ou não em casa — começam a a aparecer na China, noticia o “South China Morning Post”. E são muitas vezes mais rápidos e eficazes: estes assistentes conseguem fazer 200 telefonemas em cinco minutos, produzindo ainda relatórios diários que podem ajudar a travar a propagação do vírus.

UM MANANCIAL DE INFORMAÇÃO

Mas a automação na área epidemiológica vai muito além de robôs assistentes ou de limpeza. Há um conjunto de empresas tecnológicas que recorrem à inteligência artificial para processar e analisar grandes quantidades de dados, identificando anomalias que possam conduzir a epidemias ou até a pandemias.

Dados como notícias, conteúdos em redes sociais, redes de doenças em plantas ou animais, declarações oficiais, informações de voo de passageiros, itinerários ou dados sobre o clima permitem identificar não só estas doenças como também prever e rastrear a propagação de surtos. E desta forma ajudar autoridades, governos, hospitais e empresas a terem informação mais rápida e eficaz e a focarem-se mais na resposta aos riscos da doença infecciosa e na contenção do surto (e menos na recolha e análise de informação).

É o que está a fazer a startup canadiana BlueDot, que lançou aos seus clientes o primeiro alerta sobre o coronavírus a 31 de dezembro, no mesmo dia em que as autoridades chinesas comunicaram à Organização Mundial de Saúde (OMS) a existência de 27 casos — ainda que o alerta público daquela organização só tenha sido dado 10 dias depois. A empresa previu ainda que o surto iria saltar para Banguecoque, Seul, Taipei e Tóquio nos dias seguintes à sua primeira aparição na cidade chinesa de Wuhan.

“Estamos a utilizar processamento de linguagem natural e machine learning para processar enormes quantidades de dados de texto não estruturados, atualmente em 65 idiomas, para monitorizar surtos de mais de 100 doenças diferentes a cada 15 minutos”, afirmou esta semana à “Forbes” o médico especialista em doenças infecciosas Kamran Khan, professor de Medicina e Saúde Pública na Universidade de Toronto e fundador da BlueDot. Os resultados desta empresa — que já conseguiu prever, em 2016, o aparecimento do vírus zika na Florida, seis meses antes de ele aparecer — são ainda submetidos ao olho humano, sendo analisados por epidemiologistas, que verificam se as conclusões a que os algoritmos chegaram fazem sentido.

Questionada pelo Expresso sobre a forma de atuação, o modelo de negócio e a fiabilidade da sua tecnologia, a empresa diz apenas que neste momento “não tem capacidade para responder a pedidos que não sejam de clientes” — nos quais se incluem governos e hospitais —, porque está ocupada em os ajudar a dar resposta ao surto.

Mas a BlueDot não é a única que alia tecnologia a epidemiologia. Na verdade, organizações como a DataRobot, a IPsoft e a InterSystems recorrem à análise de grandes quantidades de dados para identificar o vírus em doentes ou populações em risco e potenciais vias de tratamento, otimizar estratégias de quarentena entre comunidades e analisar padrões em vírus semelhantes para a criação de novas vacinas.

A norte-americana Metabiota, por exemplo, apontou igualmente a Tailândia, Coreia do Sul, Japão e Taiwan como tendo um maior risco de serem atingidas pelo vírus uma semana antes de os casos serem efetivamente detetados nesses países. Recorreu não só a dados sobre voos, mas também a redes sociais e outros fóruns para identificar riscos de uma epidemia — e assegura que consegue igualmente determinar riscos de uma crise política e social baseando-se apenas em sintomas da doença, taxa de mortalidade e disponibilidade do tratamento.

Publicado em: https://expresso.pt/economia/2020-02-09-Inteligencia-artificial-ajuda-no-combate–ao-surto