Estado volta a falhar subida do salário mínimo nos contratos públicos

A escassez de “resultados práticos” na actualização extraordinária dos preços dos contratos públicos, em função do aumento do salário mínimo nacional para 530 euros no ano passado, levou algumas empresas de limpezas a avançar com acções judiciais para “fazer valer os seus direitos”. Por bloqueios burocráticos e falta de clareza nos critérios, só 17 contratos foram revistos em 2016.

Este ano, após nova subida para 557 euros, o Estado comprometeu-se no acordo de concertação social a definir regras mais precisas e flexíveis, para que as fornecedoras pudessem efectivamente ser compensadas nos contratos em que o custo da mão-de-obra tenha sido “factor determinante na formação do preço contratual”, como é habitual nas limpezas, vigilância ou cantinas.

Porém, se “em 2016 não estavam definidos os procedimentos e por isso não se conseguiu aplicar a medida, em 2017 está definido todo o processo, incluindo os prazos para a decisão, mas pura e simplesmente não são cumpridos”, denuncia Fernando Sabino, director executivo da Associação Portuguesa de Facility Services (APFS), sector em que a mão-de-obra representa entre 85% a 90% dos custos, 90% aufere o salário mínimo e 30% do negócio é feito com clientes públicos.

O levantamento feito pela associação mostra que para 71% desses contratos foi pedida a alteração do preço, ao abrigo da portaria de 20 de Julho dos Ministérios das Finanças e Trabalho. Porém, só 8% teve aprovação e a maioria (83%) ainda nem sequer obteve resposta, com os empresários a invocarem até que o prazo legal para as tutelas tomarem uma decisão sobre as primeiras submissões já acabou a 18 de Outubro.

Fonte oficial do Ministério do Trabalho admite que, nos serviços na tutela de Vieira da Silva, “os pedidos de actualização recebidos até ao momento estão ainda em fase final de análise” e ainda terão de ser enviados para aval das Finanças.

Nessa amostra de 300 contratos, os restantes 9% foram chumbadas, com os serviços a invocarem não estar previsto no contrato, não existir cabimentação orçamental ou ser um aumento previsível e dever ser considerado risco do contrato.

Ora, face a este cenário, e com “algumas empresas mais dependentes da contratação pública a lutarem mesmo pela sobrevivência”, o porta-voz da APFS avisa que há mais associadas “a pensar pôr em tribunal alguns destes processos”. “Se uma lei não é cumprida, o que é que fazemos? A única hipótese que as empresas têm é recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos”, desabafa Fernando Sabino.

Empresas “já não acreditam nos acordos de concertação social”

A Associação Portuguesa de Facility Services, representante de um sector que emprega perto de 100 mil pessoas, alerta que “é imprescindível que existam – e sejam cumpridos – apoios compensatórios” pelos aumentos no salário mínimo nacional, “para que se mantenha um equilíbrio económico-financeiro mínimo nas empresas”. E face a esta nova falha no que foi prometido pelo Governo, o director executivo refere que as empresas associadas “já não acreditam nos acordos de concertação social porque sistematicamente não são cumpridos”. “A consequência desta realidade é o descrédito do Governo e das instituições públicas – o Estado não é uma pessoa de bem – e, por outro lado, o desgaste do próprio movimento associativo, visto que as empresas estão cansadas de acordos que não passam do papel”, sintetiza Fernando Sabino, numa missiva enviada à CCP para levar à reunião desta sexta-feira com o ministro das Finanças. Em Maio, quando o Executivo já tinha falhado o prazo para a publicação da portaria com as regras para as empresas, o próprio presidente da CCP, Vieira Lopes, disse ao Negócios que estava a ser “[posta] em causa a boa fé do Governo” no acordo do salário mínimo, ameaçando que essa seria “uma reserva” a ter em “futuros acordos” em sede de concertação social.

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